O Papel! Qual Papel? (do Consultor de Recrutamento)

Recentemente, durante uma conversa com um cliente de longa data, com quem tenho relação próxima, ouvi: “Pois, Pedro, na vossa área há sempre muitas novidades. As pessoas mudam muito, parece que é normal…e nós, deste lado, nem sei se percebemos bem os movimentos. Mas, deixe que lhe diga, às vezes isso pode diminuir a confiança no vosso serviço”. Engoli em seco, respirei bem fundo e respondi de forma tão informal quanto politicamente correta. Não podia, aquele Diretor Financeiro – com tanta experiência no mercado – ter feito um comentário tão certeiro.

Na área de Consultoria, a mudança é o “prato do dia”. Contudo, se conviver com ela e aceitá-la é parte do segredo das grandes companhias que atuam no setor, acredito também que a estabilidade e previsibilidade das marcas e das suas equipas ainda são alguns dos fatores que garantem resultados mais duradouros. E quando falamos de Consultoria de Recrutamento Especializado, mais ainda.

Nos dias que correm, o “papel” do consultor de recrutamento vai muito para além de encontrar candidatos para preencher vagas. Num mercado cada vez mais competitivo, tecnológico e mutável, o paradigma mudou: o que antes levava semanas, agora leva dias ou horas e o verdadeiro valor está na capacidade de criar ligações humanas autênticas (se possível duradouras), de compreender o que as empresas realmente precisam e de traduzir isso em identificação de talento que, efetivamente, possa ter a capacidade de transformar negócios. Empresas firmes e inovadoras, mas, acima de tudo, com equipas estáveis e com capacidade rotineira de equilibrar a senioridade e a jovialidade dos seus elementos, são as que mais vencem ou, talvez, as que mais estabilidade de resultado apresentam. E são-no, admito, porque transmitem um nível de segurança aos seus clientes que, por si só, “vende”. Talvez essa segurança surja disfarçada de “com estes tipos, pelo menos, sei com o que posso contar”, mas essa é uma sensação que, no nosso país (tipicamente avesso à negociação regular), ainda vale muito. 

O Recrutamento Especializado é uma das áreas de Consultoria que mais cresceu no pós-pandemia. As razões desse crescimento são óbvias e dariam para outro texto, mas o que ressalta é que, da mesma forma que cresceu, também se tornou, na sua generalidade, mais transacional. “O serviço está inventado, estas empresas fazem o mesmo há muitos anos e já são tantas, é tudo igual”, dizem alguns, retirando assim valor acrescentado a esse mesmo serviço. Dirão outros: “então, tenta, sozinho, fazer recrutamento de algumas funções e perceberás o real valor do serviço”. Não sei com que lado me identifico mais, mas sei que ambas as perspetivas não estão incorretas. E é aqui que as marcas fortes do setor afirmam a sua presença e estabelecem confortavelmente os limites da sua atuação. E fazem-no de forma dura, anulando as opiniões que tendem a descredibilizar esta área, já que o Recrutamento ainda vale muito dinheiro, principalmente o bem feito e que gera real impacto nos negócios. As ‘big fish’ da área não só o sabem, como entendem claramente que se o seu modelo depender de fees baixos e equipas medianas, mal pagas e instáveis, serão rapidamente vistas como uma commodity e perderão uma boa parte do seu valor comercial.

Não tendo o dom de adivinhar o futuro, nem tampouco querendo antecipar tendências, acredito que vingará mais quem mais consiga misturar este entendimento de estabilidade das equipas com a competência e evolução técnica do seu produto/serviço.

Assim, num momento em que muitos de nós já se agastam com tantas conversas e com tantos gurus de tecnologia e Inteligência Artificial (nem seria um artigo, se não falássemos de IA), é crucial que quem decida fazer carreira nesta área, assuma um papel de inovador e transformador, sem nunca perder o sentido de construção de relações humanas e humanizadas reais, criando confiança clara nos negócios, com mais sinceridade e menos estratégias comerciais genéricas retiradas do ChatGPT. Acredito que, desta forma, este mercado poderá aproximar-se, de facto, do valor que tem – e que merece.

Por: Pedro Alves, Executive Manager & Head of Office Lisbon na Adecco Permanent Recruitment